Ringue foi montado com pedra, eixo de carreta, pneus e sobras de carrosAryane Cararo
Onde antes existiam carros abandonados, apareceu um ringue. Na Rua Santo Antônio, embaixo do Viaduto do Café, as bombonas de plástico viraram sacos de pancadas, as pedras de até 30 quilos fazem parte do levantamento de pesos e dos abdominais, as pontas de eixos de carretas se transformam em barras de exercÃcios, os pneus de caminhões com correntes servem para arrastar peso, as molas de caminhões, amortecedores, e os pistões de prensa são usados como equipamentos de musculação. É assim, de forma improvisada e rústica, que Nilson Garrido vai montando sua academia de boxe e mudando a face dessa região perigosa e esquecida da Bela Vista.
"Quando Rocky Balboa começou, acho que copiou de mim, porque na década de 70 eu já usava esses materiais", brinca Garrido, de 50 anos, treinador e pai do pugilista Fábio Garrido. "E, na hora de folga, a gente ainda pega uma marreta de 20 quilos e vai quebrar pedra em Itaquera como exercÃcio", revela, sobre o treinamento. O método pode ser antigo, mas não faz nem três meses que foi levado para os baixos do viaduto na Bela Vista. Antes, funcionava no Anhangabaú, embaixo de uma passarela próxima da Câmara Municipal. Em pouco tempo, no Bexiga, conquistou 132 alunos, sendo 12 mulheres.
Dos alunos homens, metade é morador das redondezas e ajuda como pode - segundo Garrido, não há mensalidade. "Aqui é projeto social, não se cobra nada. Quem quiser, colabora com R$ 20,00 ou doa material", comenta. Os outros 60 são jovens e adultos carentes, moradores de rua. E os interessados não param de aparecer: entre eles muitos seguranças e até catadores de papel, como o baiano Jailton de Jesus Souza, de 19 anos, que treina quatro horas por dia, de domingo a domingo, para ser campeão de boxe. "Anteriormente, puxava carroça. Agora, separo reciclagem. Mas meu sonho é ser um campeão e vou realizá-lo", diz o rapaz, com pressa de voltar para o treino.
Garrido quer lançá-lo no ano que vem, na categoria amadora de pesos leves. "Quero trazer algum tÃtulo para debaixo do viaduto", diz. Mas, primeiro, o treinador precisa trazer a luz e a água, até para melhorar a segurança. Em quase dois meses, Garrido já presenciou 14 assaltos (não confunda com rounds) sob o viaduto. "Vira-e-mexe tem esse tipo de problema. Então, estou pedindo para a Prefeitura iluminação para melhorar isso."
CULTURAEnquanto os cinturões das vitórias não vêm, Garrido luta para incrementar a academia: quer montar um tatame de judô, outro de jiu-jÃtsu, um espaço para muay thai (boxe tailandês), outro de capoeira e exercÃcios para terceira idade, todos com professores voluntários e material de doação. Também quer pintar os baixos do viaduto e abrir o espaço para todos os grafiteiros.
Sim, o viaduto também deverá ser um local de artes e cultura. O treinador tenta, ao lado da ONG Cora Sol Nascente, abrir uma biblioteca, uma sala de leitura e um centro de informática. Corina Batista de Oliveira, de 54 anos, integrante da organização não-governamental e diretora do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado, explica que a idéia é abrir um vão no viaduto e usar o espaço interno para isso. "Vai se tornar um grande salão de informática e de cursos técnicos. Nosso objetivo é também a geração de renda", diz ela.
fonte: Estadão.com.br